Cildo Campos Meireles (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1948). Artista multimídia. Como um dos pioneiros da instalação artística no Brasil, Cildo produz obras universais, na medida em que explora as experiências multissensoriais que podem ser experienciadas pelo ser humano, o que projeta seu trabalho internacionalmente. A partir do questionamento, reinante na década de 1960, sobre o que é arte, constrói uma produção vasta e multifacetada.
Aos 10 anos de idade muda-se para Brasília, onde tem contato com a arte moderna e contemporânea. Inicia seus estudos em arte em 1963, na Fundação Cultural do Distrito Federal, orientado pelo ceramista e pintor peruano Barrenechea (1921-2013). Nesse momento, impressiona-se com a coleção de máscaras e esculturas africanas da Universidade de Dacar, exposta na Universidade de Brasília (UnB)1, e começa a realizar desenhos inspirados nela. Por meio de publicações, conhece o Grupo Neoconcreto, do Rio de Janeiro. Sente-se atraído pelo movimento e se interessa pela possibilidade aberta pelo grupo “de pensar sobre arte em termos que não se limitassem ao visual”2. No entanto, diferentemente daqueles artistas, seu trabalho, na época, é gestual e figurativo – um desenho de natureza expressionista.
Em 1967, muda-se para o Rio de Janeiro, onde estuda por dois meses na Escola Nacional de Belas Artes (Enba). O desenho passa para segundo plano e o artista abandona a figuração expressionista, voltando-se para obras tridimensionais. Sua primeira instalação é Desvio para o vermelho, iniciada em 1967 e finalizada em 1984, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). É comumente associada à violência do período militar, interpretação que não é reforçada pelo artista por simplificar a complexidade da obra. Faz parte do acervo do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, sendo uma das obras mais conhecidas do artista no Brasil. Outra criação importante desse período é a série Espaços virtuais: cantos (1968), com 44 projetos, que explora questões de espaço, desenvolvidas ainda nos trabalhos Volumes virtuais e Ocupações (ambos de 1968-1969). São fragmentos de ambientes em que dois planos se cruzam abrindo uma fresta entre eles.
Em 1970, participa da exposição coletiva “Information”, no Museum of Modern Art (MoMA) [Museu de Arte Moderna de Nova York], que reúne boa parte da produção de matriz conceitual da década de 1960. Cildo Meireles expõe Inserções em circuitos ideológicos (1970), série de trabalhos em que imprime frases subversivas em cédulas de dinheiro e garrafas de Coca-Cola, deslocando a recepção da obra da dimensão de “público” para a de “circuito”, com uma intervenção política por meio de objetos banais do cotidiano. A série se atualiza em diferentes momentos, como em 1975, quando o artista carimba a frase “Quem Matou Herzog?” em cédulas de um cruzeiro, e em 2018, quando carimba o rosto da vereadora Marielle Franco (1979-2018), ambos vítimas de crime político. Outros trabalhos que seguem essa tendência são Árvore do dinheiro (1969), Introdução a uma nova crítica (1970) e Sermão da montanha: fiat lux (1979).
Ao retornar ao Brasil em 1973, depois de morar dois anos em Nova York, concentra-se nas linguagens conceituais e na apropriação de objetos não artísticos. Desenvolve séries de trabalhos inspirados em papel moeda, como Zero cruzeiro e Zero centavo (ambos de 1974-1978) e Zero dólar (1978-1994). Realiza, em 1975, a instalação Eureka/Blindhotland, em que investiga as propriedades sensoriais não visuais dos objetos utilizados. Na segunda metade da década de 1970, amplia essa discussão em esculturas como A diferença entre um círculo e uma esfera é o peso (1976), Estojo de geometria (neutralização por oposição e/ou adição) (1977) e Rodos (1978). Participa das Bienais de Veneza (1976) e de Paris (1977).
No início da década de 1980, alguns elementos pictóricos são incorporados às suas instalações e esculturas, como em Volátil (1980-1994), Maca (1983), Cinza (1984-1986) e Para Pedro (1984). Em algumas obras, explora questões acerca de unidades de medida do espaço ou do tempo, como em Pão de metros (1983) e Fontes (1992). Outras criações que exploram essa temática são Missões (como construir catedrais) (1987) – instalação feita com 600 mil moedas, dois mil ossos, 800 hóstias e 86 pedras – e Através (1983-1989) – um ambiente labiríntico formado por objetos e materiais utilizados para delimitar ou interditar espaços, como grades e alambrados. A curadora e editora de arte finlandesa Maaretta Jaukkuri (1944) ressalta esse aspecto da obra de Cildo, afirmando que ela “evoca um tempo próprio a cada um de nós”3. Na década de 1990, o artista ganha retrospectivas de sua obra no IVAM Centre del Carme, em Valência (1995), e no The New Museum of Contemporary Art, em Nova York (1999).
Em 2001, realiza Babel, instalação sonora e luminosa feita com rádios sintonizados em diferentes estações, que retoma e atualiza seus trabalhos com discos de vinil da década de 1970. É o segundo artista brasileiro a ter uma exposição retrospectiva de sua obra na Tate Modern, em Londres, em 2008 – o primeiro é Hélio Oiticica (1937-1980), em 2007. Recebe, também em 2008, o Premio Velázquez de las Artes Plásticas, concedido pelo Ministério de Cultura da Espanha. Em 2010, é lançado o longa-metragem Cildo, sobre sua obra, com direção de Gustavo Moura (1975). Em 2019, é realizada a mostra “Entrevendo”, no Sesc Pompeia, em São Paulo, reunindo 150 trabalhos que contam sua trajetória artística.
Cildo Meireles tem uma produção extensa, com diversas retrospectivas ao longo dos anos em diferentes lugares do mundo. Sua obra, de caráter universal, atualiza-se no tempo e no espaço, mantendo-se viva e ganhando novos sentidos. É reconhecido como um dos mais importantes artistas brasileiros contemporâneos.